O Rio de Janeiro acordou, mais uma vez, em meio ao som dos helicópteros e dos tiros.
Nas redes sociais, as imagens circulam como se fossem parte de um filme de ação — mas não são.
São pessoas.
Pessoas assustadas, acuadas, crianças que aprendem cedo demais o que é o medo.
Nos comentários, há quem comemore a morte, quem aplauda o sangue.
Como se isso fosse justiça.
Mas dentro de mim algo se revolta:
como chegamos a esse ponto de confundir vingança com vitória?

Eu não consigo entender.
E talvez nunca queira entender.
Assim como nunca consegui compreender uma guerra — em qualquer país — e sempre questionei como algo assim pode ser chamado de justiça. São centenas de pessoas na linha de frente sofrendo na pele, enquanto poucos engravatados, no conforto do ar-condicionado, dão ordens que custam vidas.
É um modelo pré-histórico de busca por justiça, que insiste em se repetir.
Sempre busco uma palavra que descreva o que sinto diante disso, mas até hoje nenhuma palavra moderna é capaz de explicar o que me atravessa quando ouço argumentos de que “o país X precisa invadir o país Y, porque só assim a justiça será feita”.
Não é a primeira vez que me vejo perplexa com as cenas que vejo nos noticiários e redes sociais do Rio.
Já morei lá.
Lembro do dia em que um helicóptero foi derrubado por bandidos usando um fuzil. Três policiais foram mortos.
Naquele dia, me compadeci, me assustei, clamei a Deus por paz.

Todas as vezes que a violência foi exposta, eu me compadeci.
Mesmo antes de ser mãe, já me perguntava: como uma criança que cresce nessa realidade pode não crescer revoltada?
Como pode não se tornar um bandido, se o que ela vê ao redor é a guerra como resposta pra tudo?
Não quero me acostumar a achar normal ver corpos enfileirados e pensar que “mereciam”.
Não quero ensinar isso aos meus filhos.
Quero que eles cresçam sabendo que a justiça verdadeira não celebra a morte de ninguém.
A polarização política tem destruído pontes que antes nos faziam humanos.
Direita e esquerda se tornaram bandeiras de guerra — e a compaixão, um campo minado.
Até na comunicação, espaço que deveria servir ao diálogo, o medo de ser rotulado fala mais alto.
Outro dia, ouvi que antes de entrevistar alguém, deveríamos “avaliar o posicionamento político” da pessoa.
E eu pensei: não é o lado que define o valor de uma fala, é o caráter, a ética, a autoridade no assunto, o fato que viu.



A comunicação — e o cinema, por extensão — são instrumentos para dar rosto àquilo que a indiferença tenta apagar.
São formas de lembrar que a dor do outro também é nossa.
E que o olhar humano vale mais do que qualquer rótulo.
Sinto raiva, confesso.
Sinto vergonha de ver quem comemora a violência como se ela fosse justiça.
Mas o que me sustenta é acreditar que ainda há quem sinta, quem pare, quem se compadeça.
Talvez esse seja o verdadeiro ato de resistência hoje: não perder a capacidade de sentir.
Porque no fim das contas, é simples — e profundo:
Mais do que lados, me importam vidas.E é por isso que continuo acreditando que só Cristo é capaz de fazer justiça sem ferir o amor, e amar sem comprometer a verdade.
“O Senhor é Deus de justiça; felizes são todos os que nele esperam.”
(Isaías 30:18)








