O filme começa e uma mulher com um andar firme, esmurra um grande portão até que depois de uma razoável espera é aberto. Pátio, corredores e demais ambientes de um hospital psiquiátrico é mostrado, habitado por homens e mulheres com os mais diversos diagnósticos clínicos que na década de 1940 levava as pessoas a se tornarem internos de um ambiente tão hostil como esse. Essa mulher é Glória Pires, interpretando Nise, que mostra mais uma vez ser uma das maiores atrizes do nosso cinema brasileiro.
Contrariando seus colegas médicos, a psiquiatra Nise se recusa a usar métodos violentos no tratamento dos seus clientes (ela não os chamava de pacientes, na sua visão, pacientes deveriam ser os médicos ao acompanhar os doentes). Na verdade, tudo que Nise fizesse seria para contrariar seus colegas, já que todos eram machistas e ela, como única mulher sendo doutora no ambiente hospitalar desde a faculdade, sempre andou na contramão.
A Dra. Nise foi pioneira na terapia ocupacional na década de 1940, ela assume a direção da ala do hospital que estava abandonada. Nesse momento do filme conhecemos os enfermeiros Lima (Augusto Madeira) e Ivone (Roberta Rodrigues). Que antes da doutora assumir esse papel apenas vigiavam os doentes em meio a sujeira e entulhos que cobriam a grande sala.
A arte preenche o filme a partir desse momento, Almir Mavignier (Felipe Rocha), funcionário do hospital e amante das artes plásticas se oferece para ensinar pintura aos clientes depois de ver como Nise trabalhava, Marta, sua amiga de faculdade soma ao time para estagiar no hospital. Um avanço é mostrado a partir de então. Em meio a muitas dificuldades financeiras, emocionais e psiquiátricas vemos os clientes da doutora Nise terem grande avanço no tratamento. Eles começam a se manifestar por meio da pintura, esculturas e a música.
Aqui quero iniciar outra discussão, o filme apesar do seu título carregar o nome da psiquiatra não narra a vida da Dra. Nise como uma biografia, mas a coloca como pioneira e instrumento para a melhora dos internos do hospital através da arte. Ela entra com o conhecimento médico nos casos e seus parceiros artistas usam seus talentos para traduzir em atividades práticas (pintura, desenho…) como contribuir com o tratamento dos clientes. Nesse ponto surge a questão que só descobri depois numa conversa no Facebook quando postei sobre estar assistindo o filme. Minha prima, Cecília, me perguntou se eu sabia que a enfermeira Ivone era a Dona Ivone Lara (compositora e sambista do Império Serrano), eu espantada disse que não e fiquei pensando porque isso não fora revelado pelo menos no final do filme, quando é exibido algumas cenas documentais apresentando as imagens reais de alguns personagens do filme.
Pesquisando sobre o trabalho de Dona Ivone como enfermeira, descobri o quanto ela contribuiu na terapia ocupacional no hospital psiquiátrico. Ela, Nise e Almir foram um trio que cooperou diretamente no tratamento dos enfermos.
“Ivone percorreu quilômetros de estrada pelos municípios do Rio e pelos estados vizinhos, localizando mães, pais, avós e tios que haviam abandonado seus familiares no hospital, acreditando que não havia mais nada a ser feito por eles – afinal, esse era o diagnóstico que ouviam dos próprios médicos. Além disso, colaborou para que a música também pudesse ser remédio para aquelas pessoas dadas como perdidas. Prima de um operário da fábrica de tecidos Nova América, hoje um shopping popular no subúrbio do Rio, Ivone usou seus contatos para conseguir patrocínio e comprar instrumentos musicais para o Engenho de Dentro. Com isso, criou uma oficina de música, que passou a apoiar festas e eventos de socialização entre os “clientes”, seus familiares e os funcionários no hospital (o filme mostra uma festa junina). Na oficina estão as raízes mais profundas de um bloco de carnaval, o Loucura Suburbana, que até hoje desfila anualmente pelas ruas vizinhas ao hospital”.
Foi uma prazerosa descoberta mergulhar na história do Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro (hoje chamado Nise da Silveira), dos pacientes e profissionais diretamente ligados a terapia ocupacional. Mas encerro minha crítica ainda questionando o porque a música, Dona Ivone e suas atividades não tiveram o destaque que parece merecer. Nem mesmo nos maiores sites de crítica de cinema há o registro do trabalho de Dona Ivone no filme. Lembrando que não falo de inserir sua história como biografia, mas do seu talento artístico que contribuiu efetivamente para a melhora de muitos enfermos… Quem sabe consigo falar com o diretor ou roteiristas do filme e volto pra contar pra vocês?! Não é uma promessa, mas vou tentar!
BAIXE NOSSO E-BOOK “CONSTRUINDO UM TRABALHO COM AGENDA FLEXÍVEL” CLIQUE AQUI!
2 comentários em “Nise – O Coração da Loucura | Crítica”
Interessante.
Oi Gente, estou fazendo uma visitinha por aqui.
Gostei bastante do site, vou ver se acompanho toda semana suas postagens
Gosto muito desse tipo de conteúdo um Abraço 🙂