Há séries que passam por nós, e há séries pelas quais nós passamos — atravessadas, dilaceradas, transformadas. The Underground Railroad é uma dessas. A cada episódio, senti como se uma locomotiva emocional me atravessasse o peito. Ainda me pergunto: como não assisti isso antes?
[Mas eu sei a resposta.]
Foi a vida. A vida materna. A vida que trabalha. A vida que prioriza. Mas, ainda bem, a arte sempre nos espera. E quando chega a nossa vez de vê-la, ela se revela inteira — como essa obra-prima que Barry Jenkins construiu com dor, beleza, poesia e verdade.
Baseada no livro de Colson Whitehead, vencedor do Pulitzer, The Underground Railroad (Os Caminhos para a Liberdade) transforma a metáfora da fuga de escravizados por rotas clandestinas em um trem real, subterrâneo, pulsante de esperança e resistência. Acompanhamos Cora Randall, mulher negra em busca de liberdade no coração sangrento dos Estados Unidos escravocratas. Mas essa é também a história de tantos outros que vieram antes — e de muitos que ainda estão na estação, esperando o trem da justiça chegar.
Uma narrativa em carne viva
Cada episódio é um soco no estômago, desses que você sente no corpo mesmo depois que a tela escurece. É impossível não pensar: se não fosse um calendário, eu poderia ter sido a próxima. E isso não é exagero, é história — da mais cruel, da mais real. Ainda que os grilhões tenham mudado de forma, o racismo ainda habita esquinas, empresas, telas, sorrisos. Dói admitir, mas é necessário.
Uma direção que ilumina o que tentaram apagar
Barry Jenkins dirige como quem ora. Cada enquadramento é pensado para honrar os corpos negros, suas memórias e sua dor. Há luz. Muita luz. E essa luz abraça os personagens, mesmo quando a escuridão do mundo parece esmagá-los. Como pode uma narrativa tão dolorosa ser também tão bela?
É porque Jenkins não filma apenas o horror. Ele filma a humanidade.
Filma mãos dadas no silêncio, olhares de ternura em meio à brutalidade. Até a morte de um homem magro e exausto ganha um respiro de delicadeza — como se o diretor dissesse: você merece ser visto com dignidade até o fim.

Uma estética de resistência
A estética de Jenkins é uma afirmação. Já vista em Moonlight e Se a Rua Beale Falasse, aqui ela se torna ainda mais potente: uma câmera que se aproxima, respeita, acolhe. Planos longos que nos obrigam a não desviar. Cores quentes onde antes se apagavam vidas. É cinema como denúncia, como beleza, como justiça.







Uma obra para se assistir com o coração em chamas
The Underground Railroad não é só sobre o passado. É sobre agora. Sobre como olhamos a história e como permitimos que ela continue sendo contada. É uma obra para ser vista devagar, com alma aberta e olhos atentos. Porque quando termina, não queremos dizer adeus àquelas personagens. Mas precisamos. E precisamos também continuar a travessia.
Que esse trem siga atravessando corações. Que cada estação seja um lembrete: a liberdade ainda é um caminho. E ainda há muitos trilhos a construir.
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