Algumas histórias não cabem apenas na memória, precisam ser contadas, gritadas, revividas. Ainda Estou Aqui é uma dessas. Não é só um filme, é um eco. Um soco. Um lamento. Um abraço apertado na história do Brasil.
Demorei a escrever sobre ele, como quem engole seco diante do que não pode ser esquecido. Porque não se trata apenas de uma história de amor e perda, mas de uma cicatriz nacional, de uma dor que atravessa décadas e, ainda assim, resiste.
Fernanda Torres entrega tudo. Vive Eunice Paiva com uma entrega que nos faz esquecer que há atuação ali. Selton Mello, que sempre espero com grande admiração, honra Rui com a intensidade que o papel exige. E o elenco inteiro não apenas interpreta—eles vivem, respiram, sofrem juntos. São uma família. Daquelas que se agarram umas às outras quando o chão desaparece.



A arte do filme nos transporta no tempo, mas o tempo parece não ter passado para essa ferida. A cada cena, uma nova pancada. “Vamos sorrir”, diz Eunice. E o estômago revira. Como sorrir quando se vive o impensável? Como seguir em frente sem enterrar o passado?
O filme não tem roteiro fechado. Foi construído com conversas, com pedaços de lembranças. Talvez seja por isso que cada cena soa tão real. Como aquele diálogo entre os filhos de Rubens, já adultos:
“Quando foi que você o enterrou?”
E a resposta está no silêncio, no nó na garganta. Nunca o enterraram. Nunca puderam.
Ninguém quis arrancar a esperança do outro, e assim, juntos, viveram o luto eterno de quem nunca teve um corpo para chorar.
E me pergunto… como seria essa história se fosse uma família negra, pobre, sem um lugar para onde correr?
Ainda Estou Aqui não é só um filme sobre uma família. É sobre um país que insiste em varrer suas dores para debaixo do tapete da história. Mas há histórias que não se apagam. E esse filme, como um grito sufocado por décadas, finalmente encontrou sua voz.
Porque a memória resiste. E o cinema brasileiro? Ah, esse vive.