Rotular o comportamento das crianças não é legal

Os rótulos são obstáculos que prejudicam o comportamento infanto juvenil.

Quem conheceu minha irmã nos seus últimos anos talvez não imagine como ela era diferente quando era pequena. Fora de casa, ela costumava ser quietinha, quase sempre com as bochechas coradas de vergonha, se escondia atrás das pernas da minha mãe ou do meu pai. Muitas pessoas (e principalmente a gente da família) falavam que ela era igual bicho-do-mato, de tão acanhada! Conseguem imaginar alguém assim?

Estou trazendo essa imagem para ilustrar o que vou dizer mais adiante. Gosto de trazer a vida cotidiana para os meus textos, porque é na vida cotidiana que a vida acontece. E, se é na vida cotidiana que a vida acontece, não há razão para banalizar as experiências comuns. O cotidiano está revestido de importância e também o refletir sobre ele.

Minha irmã vivia ouvindo que ela era muito tímida. Quando ela estava retraída com as pessoas que não eram de seu convívio, a gente ia logo dizendo, com ainda mais veemência, que ela era muito tímida, talvez para tentar justificar ou desculpar seu comportamento. O interessante é que ela nunca ficou mais à vontade depois de ser chamada de tímida ou bicho-do-mato. O efeito era justamente acentuar o comportamento tímido.

Julgávamos o comportamento tímido como inadequado. Aquela timidez impedia que ela explorasse os lugares e a imaginação, se abrisse para o relacionamento com outras pessoas, brincasse. Mas, o que fazíamos acabava por reforçar o seu comportamento (cada vez que falávamos que ela era tímida, mais retraída ela ficava). Não acolhemos seus sentimentos, nem colaboramos para que ela se sentisse segura. Hoje percebo como lidamos mal com isso.

Sinto quando me lembro dessas coisas, porque falhamos com ela. Graças a Deus, a vida dela não foi tecida apenas por essas experiências. É surpreendente que na adolescência ela tenha feito apresentações de dança e cantado em tantas ocasiões. Dá um alívio saber que ela foi além de nós, além de nossas palavras esmagadoras (ainda que não quiséssemos), pela graça divina.

Crianças são muito sensíveis ao que escutam e tendem a corresponder ao modo pelo qual são chamadas (se tímidas, tímidas; se comelões, comelões; se pirracentos, pirracentos; se carinhosos, carinhosos). É preciso tomar cuidado para não sobrecarregar a criança com uma imagem do que ela é ou deveria ser, quando ela está em franca expansão do seu mundo, na fase mais vibrante do desenvolvimento humano.

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Penso que um caminho alternativo, em vez de sermos tão taxativos, seja considerar o contexto em que o comportamento acontece. Onde? Quando? Com quem? Se envolve um comportamento inadequado, ajudar a lidar com a situação. Não é chamar a criança que está com medo de medrosa, nem desprezar o medo, empurrando a criança, a todo custo, para uma situação aterrorizante para ela. É acolher, estar atento ao que pode estar minando sua capacidade de enfrentamento e ajudar a criança a encontrar recursos mais adequados para lidar com as situações.

*Minha irmã faleceu em 2016, com 19 anos, num acidente de trânsito.

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